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O Vinho Azul de Bacalhôa

Uma viagem da jornalista Rose de Almeida por terras portuguesas.


Vocês já ouviram falar sobre vinho azul? Então, eu também não mas foi por conta de uma amiga que estava em busca deste vinho para suas receitas de gastronomia molecular que eu acabei indo até Vila Nogueira de Azeitão. E não me arrependo.

Da estrada já dá para avistar os soldados azul-anil guardando a propriedade. Ao cruzar o portão da Quinta da Bassaqueira, sede da Bacalhôa Vinhos de Portugal, a gente não entende muito bem o que a réplica dos famosos guerreiros de Xian, a estátua de um cachorro gigante, do presidente Lincoln, uma fonte, uma árvore também azul, sem folhas, e oliveiras milenares têm a ver com o vinho. Embora contemplá-los degustando uma tacinha seja uma ótima pedida.

Com presença em sete regiões vinícolas portuguesas, num total de 1200 hectares de vinhas, com 40 quintas produzindo 40 castas diferentes, num total de 20 milhões de litros, armazenados em 15 mil barricas de carvalho, a Bacalhôa é um local de visita obrigatória.

E apesar de só ter me aventurado inicialmente pela adega central e pela degustação do famoso Moscatel de Setúbal, já imagino como deve ser espetacular um passeio pelos outros locais, cada qual com uma atração especial no Alentejo, em Lisboa, Bairrada, Dão e Douro.

Bem, como uma das maiores produtoras de vinho em Portugal, a Bacalhôa é um oásis para quem gosta da bebida do deus Baco mas até chegar a este néctar é preciso uma viagenzinha obrigatória pela história cultural e artística da Europa e da Africa.

O edifício sede é hexagonal e abriga escritórios que operam a logística de distribuição das garrafas e uma vez lá dentro você percebe que anda em círculos mas a dimensão é tão impressionante e diversificada de salas que você chega a esquecer aonde está. E estou falando que isso acontece mesmo antes de você beber, vejam bem!

"...então você entende o que os guerreiros de Xian fazem ao lado do cachorro azul..."

O guia começa a narrativa da história da família já no jardim e daí então você entende o que os guerreiros de Xian fazem ao lado do cachorro azul e de outros exemplares pitorescos espalhados entre os arbustos. Tudo faz parte da coleção de arte de Joe Berardo, comendador milionário e que em 1998 tornou-se o principal acionista da empresa.

Como toda excentricidade que o dinheiro pode comprar, estão lá no jardim exemplares de oliveiras milenares com seus troncos que parecem esculturas. Uma delas com mais de 2.600 anos veio de Jerusalém, outra é um diospireiro, a Kaki, desdendente direta da única sobrevivente da bomba atómica lançada sobre Nagasaqui em 1945.

Quando entramos no prédio parece que adentramos um museu e não estou falando da idade das garrafas. A qualidade da exposição, do acervo e da história impressiona. A visita está dividida em três momentos: a imersão no universo africano através da homenagem á angolana rainha Ginga, que lá soube, foi a primeira defensora da libertação dos escravos. Até o cheiro das savanas está por lá, os animais empalhados, os objetos, as armas, os amuletos, tudo nos remete a uma Africa que já vimos nos livros e nos filmes.

A sala seguinte dá uma pausa na viagem cultural e nos coloca no centro do armazenamento do famoso vinho Moscatel de Setúbal, que ao contrário do que eu imaginava como moscatel, aquele vinho docinho e quase licoroso, é aqui quase um conhaque, um âmbar ardente que esquenta qualquer inverno.

Voltando a viagem pela arte europeia, o salão dedicado ao mobiliário e decoração Art Nouveau e Art Deco é um deslumbre. Eu fiquei com vontade de sentar numa daquelas escrivaninhas e escrever um livro ou então comvidar amigos para um sarau. Os lustres, os animais de porcelana, as namoradeiras e cristaleiras quase parecem ter vida. Uma vida de glamour dos anos dourados.

Mais um pouquinho de vinho e chegamos na adega onde as pipas ouvem canto gregoriano e ficam à meia-luz. As provas dos vinhos deveriam ser ali, penso eu, embora a temperatura mais baixa e o cheiro fortíssimo da fermentação deixem a gente meio inebriado mesmo sem beber.

Bem, depois de tanta viagem, não poderia faltar umas comprinhas para nos devolver ao bom mundo real e capitalista, né? A prova de vinhos (branco, tinto e moscatel) da casa é uma delícia. Confortavelmente sentados e tendo a disposição não só o vinho mas também bolachinhas e um bom queijo de Azeitão, os brindes são mais do que estimulados e o que se ouvem são risadas e suspiros de felicidade.

Ah, a gente veio aqui por conta do vinho azul, lembram? E achamos! Mas o que encontramos também foi um arco-íris de delícias e experiências. Tintim!

Rose de Almeida é jornalista, publisher do MICE Business (www.micebusiness.com.br), sócia diretora da consultoria Rent My Brain e da startup Boomerangoo.


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