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Aprender ou descobrir: o paradoxo do desenvolvimento

Atualizado: 23 de set. de 2019

“Que você viva tempos interessantes” é uma antiga maldição chinesa, endereçada aos maiores desafetos.

A sabedoria milenar sugere que o excesso de atividades e informações nos impedem de pensar, de ter novas ideias e acessar o conhecimento interior.

Crédito: Pixabay

Ruben Alves, psicanalista, teólogo e educador, ponderou sobre essa questão em seu livro “Variações sobre o prazer” (Editora Planeta, 2011).

Fazendo uma analogia, Alves convida-nos a pensar num lago. A consciência seria a superfície desse lago, refletindo as nuvens, o céu, as árvores e os animais nas proximidades, ou seja, as informações do mundo, os saberes. Quanto melhor essa superfície for capaz de refletir o mundo ao seu redor, menos seremos capazes de enxergar o que está no fundo do lago. Na analogia de Alves, o fundo do lago é o inconsciente, que é o lugar onde mora a sabedoria, os saberes que o corpo sabe, sem que deles a consciência tenha consciência.

Neste momento de grandes e aceleradas transformações, vivemos os tempos interessantes da maldição chinesa, e enfrentamos um paradoxo curioso. De um lado, ao grande volume de informações que nos impacta diariamente, temos a necessidade de renovar nossos conhecimentos sobre o mundo, uma demanda que já foi batizada de “lifelong learning”, porque nos acompanhará por muito tempo. De outro, a necessidade de inovar para atender as novas demandas de consumidores cada vez mais exigentes exige criatividade. E a criatividade, como sabemos, é um produto do nosso inconsciente. Ela vem de dentro.

"Criatividade não se aprende, não vem de fora. Para ser criativo é necessário desaprender"

A questão que se coloca é a de que estamos investindo pesadamente no polimento da nossa superfície. Cursos, seminários, palestras, MBA, Mestrados, Doutorados, num processo de educação continuada. Mais do que isso, estamos impondo esse modelo para nossos filhos, inscrevendo-os em diversas atividades e transformando toda experiência em uma oportunidade de ‘aprendizado’ de forma a prepará-los para serem executivos ou empreendedores de sucesso (iniciativas como a MBA Kids e a Tindin – educação financeira infantil – são bons exemplos disso).

Muitas das clássicas práticas orientais para o desenvolvimento pessoal estão associadas ao ‘não fazer’ e à ideia de ‘desligar’ a mente consciente para ter acesso ao conhecimento interior e alcançar um estado de atenção plena.

Mas não imagine que o chinês moderno passa seu dia praticando meditação. Jack Ma, bilionário chinês cofundador da gigante Alibaba, defende uma jornada diária de 12 horas de trabalho, seis dias por semana e considera isso uma benção.

No outro extremo, o Taoismo e o Budismo, apenas para citar dois exemplos, seguem vivos e influenciando as mentes ocidentais como a de Jon Kabat-Zinn, iniciador do movimento “mindfulness” no final da década de 70.

Talvez seja difícil desconectar os adultos do Zeigeist competitivo movê-los da posição de “aprendizes” (cultura vigente) para a de “descobridores” (cultura da inovação). Mas essa é a nossa natureza, e talvez possamos voltar a incentivar isso nas novas gerações.

E o que é preciso fazer?

Nada.

Se não atrapalharmos, elas descobrirão o caminho sozinhas.


Flavio Ferrari

Head BR do CIFS - Copenhagen Institute for Futures Studies

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